A consideração de fotografar o povo do jeito que ele é
Até hoje, Lori, eu num vi uma pessoa que valorize a região e o povo como ocê faz com a sua fotografia. Pelas andanças que eu já fiz cum você, te levando nas casas dos meus parentes e amigos, o jeito como ocê convive com eles.
E até hoje, graças a Deus, num tive uma única pessoa que me falasse: num traz fulano aqui mais não. Pelo contrário, todos querem saber quando que fulano, o homem dos retratos, vai voltar.
O pessoal do Congado, do Tambor, todo mundo gosta. Porque ninguém tem esse capricho de tá tirando a foto, recolhendo o nome, o sobrenome, querendo sabê quem eles são, tendo a paciência de ouvir, escultando o que eles tem pra contar, compartilhando cum alegria aqueles momentos.
A sua fotografia é uma fotografia de muita importância, pois mostra a realidade, a fé e a força do povo. Porque nem todo fotógrafo tem a consideração de fotografar o povo do jeito que ele é. Ocê não. Ocê acompanha, vive no meio do povo, tem a paciência de esperar e tem o interesse de sabê da essência do povo.
Imagina um livro que fala do pai, do avô, do filho, um livro que vai falá do velho Camilo, Zé Iaiá, João Lelé... Eu tenho certeza de que eles vão gostar muito. Vão gostar das fotos. Nelas eles vão se reconhecer, mas vão gostar ainda mais da consideração. Da consideração que ocê tem por eles. Eles já são gratos por isso e eu também sou muito grato.
E ocê sabe, pra mim a foto perfeita é nessa hora que eles tão abaixados, fazendo reverência pra Ela. Dá impressão que eles tão falando: Ô Mãe, vamo?. Tão pidindo licença pra pegar Ela dali. Ela quietinha na lapa, Ela perfumada cum as rosas. É de arrepiá o corpo da gente de tão bunito que é. A gente vive esse momento de novo, como se a gente tivesse de novo dentro da água do Fanado, olhando pra Ela.
Uma outra foto que a gente vê toda aquela força é quando ocê registra o Jakson dançando cum litro na cabeça. Parece que tem um peso nas costas. Ele encurvado. É o peso da fé, da espiritualidade nas costas. Parece um sinhô... e olha que ele só tem vinte pôcos ano. Inquanto que Dú, o Capitão, que tem idade de sê pai dele, voa. É uma outra força, impressionante!
Ocê também sabe, que o litro na cabeça é uma prova de fé. Num é qualquer um que vai conseguir fazê o que eles fazem. Deita, levanta, gira, dança... Tudo! É difícil pra conseguir. De todos que dança cum litro na cabeça, o que mais me emociona é Jakson. Porque desde criança a gente brincando junto e tudo, e ele já criançinha dançava cum o litro na cabeça.
O Grupo dos Tamborzeiros é de uma importância tremenda, porque ocê sabe que ali tem velho, novo, criança... tudo com uma força só. Ninguém passa na frente de ninguém. O velho respeita o novo. O novo esculta o velho. Um vai aprendendo cum outro. E assim as coisas vão longe, num acaba. As Festas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito num tem graça sem os Tamborzeiros. Eles são a magia das festas. Na hora que o tambor cumeça batê todo mundo junta, vira uma roda, a gente sente a alegria, o prazer. É uma brincadeira, mas é uma brincadeira sagrada.
Deus e Nossa Senhora do Rosário que continue a abençoar tudo o que ocê faz por nós!
Rodrigo Ramos de Almeida.
Tambores, tambores: ritmos!
“A reza cerca a dança e a dança cerca a roda.”
(Carlos Rodrigues Brandão, 1981)
Práticas oferecidas afetuosamente à sacralização do viver, dançar, rezar e fotografar: Bandeiras de Guia! Sim! A santa guia. Elas seguem em frente sempre lembrando prá gente que as promessas anunciadas pela Modernidade não se concretizaram na vida contemporânea.
Ritmos!
Urgentes, as an(danças) de Lori Figueiró ilustram emergências dessa realidade. Fazem-nos recordar que a unidade fundamental de todas as danças é o movimento. Seu trabalho sempre sensível alumiam em mais uma de suas obras sons e crenças dos tambores mantidos pela tradição.
Ritmos!
Gingadas, brinquedo dos homens, brincá di dentro das função, brincadeira que é um trabalho, prenúncios de Dona Pedrelina consagrados em cerimônia de fé ao coroar a cabeça de Jakson com o litro.
A vida e seus ritmos!
Lori Figueiró, andejando pelo Vale, pretensamente em sua lida eterniza sensações de um cotidiano em que trabalho é vínculo das toadas: tons nuançados de vida. Apreciar seus registros é ler nas entrelinhas expressivas do povo do Jequitinhonha.
José Geraldo Pereira dos Santos em sua dança que beija o chão reverencia as pisadas dos Homens Tamborzeiros de Minas Novas e os cliques do poeta da fotografia, ambos pulsionados pelos ecos internos: presentes para nosso deleite.
Sandrinha Barbosa Nogueira
Tambores II
"Eu vou ali
Eu volto já
Eu vou buscar
Nossa Senhora"
(Domínio Público)
Nos pés e no chão
crestados
os passos chegando de muito longe
dardejados do sopro da manhã.
As vozes de entonações graves
num crescendo das louvações
estrondeando as peles
dos tambores
a temperar linguagens
encharcadas de ritmos.
- O vermelho, o azul,
o preto, o branco,
as cores da alma -
São tambores os tambores
são tambores.
São tambores os homens
são tambores.
Um toca
outro
um outro distante
longínquo
na ancestralidade.
- A música dos mistério de estar no mundo -
O Capitão
José Geraldo Pereira dos Santos
o olhar coruscante
dentro do toado
avoando
fiel
sustém
João Pereira dos Santos,
Igor Rafael Souza Santos,
Romário, Israel,
Teodomiro, João Batista,
eles e todos
irmanados
no chão enegrecido
pelos membros rijos
escorrendo suores.
Agarrado
no alto do céu
o sol
inundando a vida.
Na crispadura do tempo
Camilo Pereira dos Santos,
João Lelé, Zé Iaiá,
Mané da Chapada, João di Jusina,
negrejavam
abrasadores
deambulando pelas ruas
intermitentes
esgravatando emoções.
Celebrações nos encontros
do Sagrado Rosário de Maria
e São Benedito.
- Percurso imensurável
de todos que são abençoados
pelo toque dos tambores -
Tolete Calunga!
Lori Figueiró