As imagens são francas. Elas são o que são e por isso nos chamam a atenção enquanto sua honestidade. As fotografias são feitas em composições finamente construídas por Lori Figueiró, onde o plano de fundo contrasta com as figuras em primeiro plano, quase sempre em uma postura ereta ou em labor, à 90º do diafragma da câmera.
Fala-se muito na seca do Jequitinhonha, em sua ancestralidade que leva a conhecimentos imemoriais, da importância do rio para o desenvolvimento e sobrevivência da região. Além claro, de seu artesanato como o substrato de uma vivência dura, sem muitos recursos, mas de poética pura e simples. O Vale nestas imagens é muito mais que isso: são as pessoas e suas histórias. Cada imagem não é somente a fotografia do retratado, é isso e sua própria história, que Figueiró conta, dando nome às pessoas, aos povoados e às suas origens. Não há imagens em vão. Ítalo Calvino indaga no conto “A aventura de um fotógrafo”: “‘Talvez a verdadeira fotografia total’, pensou ‘seja um monte de fragmentos de imagens privadas, sobre o fundo amarrotado dos massacres e coroações'”. O interesse do fotógrafo não é somente a visualidade de suas imagens. Ele tem por intenção preservar a imagem das pessoas como a micro-história do Vale do Jequitinhonha, a memória da região por meio da vida de cada um. E se você encontrar Lori por aí, irá contar, com a intimidade de quem passa pela janela no fim da tarde para tomar um café e prosear, a história pessoal de cada um dos retratados, como a história oral da região-estado.
É necessário falar da atração que Figueiró tem em retratar as mulheres do Vale. Símbolos da resistência, elas são as matriarcas e filhas que preservam as tradições da região, que sustentam as famílias, que levam o conhecimento aos mais novos e tentam, bravamente, perpetuar o fazer da arte popular local, sejam nas cerâmicas, nos bordados, nas pinturas, enfim; em sua relação com o que lhes tem a mão para produzir, as personagens de suas próprias vidas como a preservação jungiana da memória coletiva.
Visitar essa exposição é firmar um compromisso com Figueiró: não deixe que esse mundo que pensa tão velozmente somente no adiante, esquecer o hoje e o ontem. Calvino ainda questiona: “será que não estava procurando fotografar lembranças ou, até, vagos ecos de lembrança que afloravam da memória?” Essas pessoas não passam nesta vida em vão, elas são as memórias de si mesmas e dos que passaram antes e deixaram um legado de conhecimento que constitui o típico e o ímpar da região. Elas são a essência do Vale do Jequitinhonha. E a missão de vida de Lori, é levá-las, desde o chão do Jequitinhonha, até nós para que não esqueçamos nunca: o Jequitinhonha é vida.
Rafael Perpétuo, agosto de 2021
Helena Siqueira Torres, São Gonçalo do Rio das Pedras, Serro, dezembro de 2015