Ao Permear o Tempo

Prefácio

Prólogo

O tempo
em seu andejar sem-fim
segredando silêncios
e um pouco cismado
certeiro me disse
a vida
a vida gosta
é das coisas transitórias

Diêgo Alves

Em delicadezas
ela fiava o algodão
para que o tempo

indelével

tecesse num infinito
o fugidio da vida

Senhora de tudo

Diêgo Alves

No descaroçar e fiar
do algodão
um cuidado preciso
afetuoso

sim
dali
em novelos
ele seguirá
a outras habilidosas mãos

que com excelências
de bem-querer
tecerá nas tramas
de um interno tear

imaginários de profunda
e respeitosa intimidade

Diêgo Alves

Nas tramas do seu tear
ela brincava brejeira
num forte e preciso
cruzar e entrecruzar
das linhas

alheios olhos não viam
que em arroubos
no subir e descer
dos pentes

a tecelã
se nutria
em volúpias
e âmagos desejos

Diêgo Alves

Na costura da vida
nos bordados do tempo
no atar e desatar de nós
entrelaçamos linhas e novelos
no emaranhado do existir

Diêgo Alves

São pés
sertanejos
que fincados
ao chão
revelam
a especiosidade
bruta
de uma terra
que embora
áspera
faz a vida
pulsar

vem dali
a sua força

está ali
o seu enlevo

Terra-Mãe

Tempo-Vida

Diêgo Alves

É no árido do sertão
que a vida se faz teimosa
e sem palavra dizer
muito nos ensina

viver, seu moço
é bem mais que existir
é assumir riscos
é desafiar o tempo

Diêgo Alves

No cotidiano do seu ofício
– ainda que num secreto e profano –
entretenimentos mundanos
preenchiam lacunas de afetos

Desejos que sob
a clara luz
proibidos seriam

Não serão!?

Em noites de função
sob a matiz
de uma rubra luz
ali
– presente –
estava o Sagrado

Sim. lá também!

No lugar
histórias e prazeres
forjados
num trabalho-suor
de mulheres
de vida nada-fácil

Diêgo Alves

Benditas
benditas essas mãos
que cheias
de Deus
receberam de alheios ventres

                       a Vida

ainda que em promessas

e num amanhecer de Ser

Diêgo Alves

Espia, moço
espia!

Os olhos de quem viu
em incandescência
muito iluminou
os olhos de quem deixou-se ver

Reciprocidades luminosas

A vida é encontro
partilha
comunhão

Diêgo Alves

No áspero da terra
e em percorridos chãos
os pés cansados
ainda fortes
revelam segredos
de um tempo
em que felicidade
era bem mais
uma questão de

             Ser

viver é cumprimento
que demanda urgências

Diêgo Alves

Numa profissão
sagrada de fé
a gente simples
se põe a alardear
pelo caminho
seus cantos e danças
no levantar da poeira
sob o abafadiço
e ardente do sol

elevam-se a um Deus
que popular
sabe de suas dores

e com o povo, também chora

Diêgo Alves

Em mãos benditas
cheias de crença e fé
o Sagrado se faz tangível
sentido
benevolente

Em mansuetude
se desvela
e por todos
faz-se Uno

Diêgo Alves

Sussurrou-me
um bem-te-vi
que feminina
é a força da vida

esta
sem tréguas
e em eterna
constância
faz-se real
e movedora

não importa
se em prantos
ou acalantos

é terra nova
que se reconhece

MULHER

Diêgo Alves

No sagrado das mãos
que curam

a vida em farturas
também de amor

se revela em preces e benzeções

para que a poesia
ali presente
floresça vigorosa

e em estações
a seu tempo
no tempo

desvende os mistérios do existir

é a vida dizendo que é hoje
e querendo sempre mais

Diêgo Alves

Atenta ao convite da vida
a alegria deixou-se capturar

e assim
em sorrisos
límpidos
luminosos
ela se mostra
se revela
e insiste
em nos dizer
que em infâncias
ela se faz ímpar

tremeluzente!


Diêgo Alves

Vaidoso
o amor foi capaz
de parar a vida
e interromper o tempo
só para ser admirado

e ainda é


Diêgo Alves

Um
Sagrado
pungente
pulsante
que feito
o tempo
não
se explica
é sentido
é vivido
feito
a vida
que
por lá
se faz
múltipla
diversa


Diêgo Alves

Maria
Marias
das Dores
das Graças
dos Anjos
do Carmo
do Céu
irmanadas mulheres
maturadas pelo inexorável
traço de um tempo-vida
indelével
mas sentido
presente

na carícia bruta
do existir
soberanas
elas lapidam
em si
joias raras

preciosas
em dignidades
valorosas
em saberes
múltiplos
fartos


Diêgo Alves

Quem cura é Deus e Nossa Senhora
Eu só passo os ramos
ajudo no que posso.

É na alegria de poder servir
a um Deus-Senhor
e a uma Senhora-Mãe
que Geralda Martins Soares
num entusiasmar-se
do Criador
resplandece epifanias
no religare
próprio de quem pela fé
gesta vidas
cura dores
apascenta almas

cumpre
em Sagrados mistérios
o desejo divino
de ao próximo
amar
como a si própria


Diêgo Alves

Em arrebatamentos
ela equilibra na cabeça
muito mais que uma garrafa

aos olhos que veem
é a feminina força
de sua ancestralidade

nos rodopios
num comungado sagrado
de crenças e fé

presentes estão
o divino
e as divindades


Diêgo Alves

Escute
escute bem
o sertão

calma
sem pressas
e só assim saberás
que aquilo que faz de mim
um forte
brota e vem
é de lá


Diêgo Alves

Em apetitosa fragrância
vem da cozinha
saboroso café
coado na hora

É um pretexto da anfitriã
que expressa com generosidades
o transbordamento do amor
em quenturas

Interiores em reciprocidades…


Diêgo Alves

Mãos que forjam
no amassar do barro

         Vidas

terra e água
amalgamadas
num ciclo fecundo
de nascer
outonar

reviver!


Diêgo Alves

No tocar da viola
ele chorava as mágoas
também do seu coração

era no triste pranto das notas
que amores vividos
em doces saudades
eram lembrados


Diêgo Alves

_ No passear dos anos, seu moço
despertou em mim
a honesta certeza
daquilo que minha mãe
eterno
dizia:

O excesso de uns poucos é falta para muitos.

À época
eu ainda menina
pouco entendia

no entardecer
das idades
humilde
posso afirmar

simplicidade é tesouro
guardado à espera
de novos achados

minha riqueza está
é nela
e na força
de um sempre trabalhar.

O senhor crê?!


Diêgo Alves

No peito explodia
uma alegria tal
que mesmo o sorriso

– mais sincero e terno –

era incapaz
de extraí-la de lá
e intacta pudesse
externá-la

era como se eu visse
o tempo a curvar-se
para a vida

e por ela
só por ela
ele se deixaria
tanger-se

feito sonho
de criança


Diêgo Alves

É preciso
no solitário da travessia
pequenas alegriagens
que em xêros e chamegos
adoçam os dias
acariciam as noites
em prazeroso descuido.

A vida reverbera em anos e eras…


Diêgo Alves

A vida
é formoso presente
que o tempo nos dá
mas vem assim
sem enfeitado laço de fita
ou colorido de embrulho

encontra-se
sua beleza
é no constante
do caminhar


Diêgo Alves

Num dedinho de prosa
tomando lições com o tempo
aprendi que o segredo da vida
não é tesouro escondido

Antes, é boa semente
que lavrada em solo fecundo
na maturação da espera
produz flores e frutos

Se a espera é necessária
paciência é o caminho


Diêgo Alves

Via-se no bonito
daquela parede
o reflexo
de uma vida
em delicadezas
a despeito das muitas
e demais vicissitudes

suaves mãos
de agrados

tal como a vida

entrelaçavam nós
cuidados e afagos


Diêgo Alves

Eterno e intemerato
o tempo apruma ensejos
no correr do existir

e a vida
– em urgências –
circunda-se em vincos
mesmo sabendo-se
impermanente


Diêgo Alves

Num redivivo
entardecer
os sinais visíveis
de uma vida
que insiste
deseja
e quer pulsar

sim
só mais um pouco
ainda há o que fazer
presépios
também interiores
a cuidar

em si
a prevalência
de afetos
muitos
vários
tantos

todos repletos
de gratitudes
sobrepostos
às durezas
e batalhas
de uma
sua
mocidade


Diêgo Alves

Aprendi numa canção
e não tem outra receita
quem quiser ser plantador
e sonhar boa colheita
tem de ter os pés na terra
dia a dia nessa empreita

É no calejar das mãos
que a vida se manifesta
em abundâncias


Diêgo Alves

No colorido da cozinha
os guardados do coração
se revelam
a um atento observador
no jogo instintivo
de cores
de olhares

a vida vai tornando
concretas
as lições do tempo

viver é caminho
que se percorre
em paciências
ouvindo silêncios
amaciando saudades


Diêgo Alves

Era uma beleza revelada
no profundo de olhos
que maturados no ver
e viver
diziam sobre o tempo
indomável
eterno
livre


Diêgo Alves

Bem mais que os grisalhos
cabelos
o colorido do lenço
guardava era sonhos
e femininas vaidades

o sorriso no enrugado
do rosto
mostrava que altiva
a vida seguia

e segue


Diêgo Alves

No externo de um olhar
o concreto do brilho
intenso
que em luminoso
interno
faz-se inesgotável
fonte

convite para a vida

real
sólida
tangível

urgente


Diêgo Alves

No sereno da face
vincos de um laborioso
existir

na pele
outros sulcos falam
de uma existência
que fincada na terra
bastante e muito
produziu
para si e demais

num tanto
foi e segue feliz

Viva, como Deus é servido


Diêgo Alves

Ah, Sá Menina!
A vida é fazimento diário
e viver
não é mais que um instante

é perfume se esvaindo no ar…


Diêgo Alves

Sabendo
o fim
da estrada
faceiro
o amanhã
num jogo
intenso
de sombras
e luzes
vem
e me conta
que é preciso
colorir
com vida
o tempo
que passa
passa
e se faz
real


Diêgo Alves

Ao permear o tempo
a vida em suntuosa
e soberana força
alastra volteios
e demais descaminhos
todos forjados
na bruteza íntima
do querer
e do real
existir


Diêgo Alves

No adiar para as outras paragens
maturada em esperas
a árvore da vida
num sustentar insano
de suas raízes
vai contornando
outonos
e quando se vê

– acariciada pelo tempo –

se renova em folhas
e num verde-vivo,
sombreia primaveras


Diêgo Alves

Na admirável
dimensão
da saudade
o desengavetar
de afetos
é ação
que traz
vida

bem mais que lembranças


Diêgo Alves

Conhecedor de caminhos
matreiro e sem pressa
seguia com seus pesados
alforjes

carregava concretos
e alheios sonhos

no empoeirado da estrada
tardes horas no céu
procurou num cinzento arbusto
sombra para merecido descanso

havia ainda muito o que trotar


Diêgo Alves

Nestes teus olhos
saudade é palavra sofisticada
capaz de recordar o vivido
e reviver o imaginado

tem cheiro de bem-querer
e sabor eterno de mais e mais
muito e bastante
assim
em demasias


Diêgo Alves

Era um tempo de adeus
mas corações em teimosias
insistiam em pulsar num ritmado
de saudade e memória

num compasso preciso
que interno repetia

a gente vive é no outro
é só no outro
que a nossa vida se faz


Diêgo Alves

O tempo
refúgio infinito de Deus
deslinda em fugacidades
a impermanência da vida

que assim
genuína
diz-nos
que o hoje
é sopro

feito perfume
exalando no ar
saudades e memórias


Diêgo Alves

No percurso e nos volteios daquele silencioso rio
suas águas choravam um amor
para trás ficado

no instável ritmo do fluxo
não houve tempo de me afogar


Diêgo Alves