Para Lori Figueiró, com afeto:
Sim! Também prefiro o bom e o bunito.
Aliás, a vida ficou mais verdadeira depois que encontrei vocês.
Cobrou sentido. Primeiro pelo Vale no recorte do olhar dele.
Depois, pelo regalo das visitas tantas a tanta gente
valorosa de lá. Agora, irmãos meus.
Eu gosto é de ir pro Vale, Ju. Lá me sinto vivo.
Me sinto importante.
Deve ser por isso que pessoas assim, os queridos de Deus,
passarinham pra lá e pra cá. Escapam.
Talvez porque o belo, o que realmente importa,
foi feito mesmo pra ser degustado em lampejos.
Em momentos de distração.
Deve ser por isso que ele brinca de ser Deus, tentando capturar,
aqui e acolá, arco-íris de belezuras: nos sorrisos das gentes,
nos suspiros de fé e esperança, nos ais cotidianos...
Incansavelmente.
Onde você tá agora, Lori?
Acho que essa é a pergunta que mais fiz a ele
nos últimos tempos.
E ele, serelepe que é, responde sempre o
mesmo, numa correria danada, menina!
Corra, Lori! Corra! E vai fotografando, na
medida exata da sua vontade, meu amigo!
Porque a vida, tal qual acontecimento, escapa
feito nuvem e é urgente ser feliz! Na labuta
diária do constante.
Juliana Leal
Afloramentos, um parecimento do vivido...
Creio, sinceramente, na impossibilidade de captar
as luzes da primavera num céu de outono.
No entanto, não é bem isso o que Geralda Martins Soares,
Dona Gera, minha mãe preta, com seu sorriso luminoso,
nas terras de Jenipapo de Minas, me proporciona:
_ O mundo, meu filho, tem di tê acontecimento,
num tem di tê?
Cê chega cum esses retrato e eu vou mi veno.
Pois, eu nem sei s'eu era,
ou se é di agora qu'eu vou sendo...
Quem qui era di dizer, num é?
Eu lá no Granja, num tendo nada,
existindo só cum as nuvem,
os filho pra criar, e os outros
das mulheres qu'eu ajudava di nascer,
e Deus ali,
e eu sabendo qui aquela qui era di ser a minha missão.
Eu sempre digo, cê sabe,
qu'eu vim ao mundo pra ajudar Ele.
Certeza qu'eu tenho!
Cê sabe, Ele qui é o pai di nós tudo
e qui ampara nós tudo,
como cê também vê,
qu'eu quase qui já num inxergo mais,
as vista se perdeno,
isfumaçano,
uma curtina di pano incardida...
E acaba qui só aos tiquinho
qui a vida qui Deus mi deu
vai assuscedendo,
qu'eu vou teno convivênça cum eu mesma.
Esses retrato, meu filho,
umas cores qu'eu nunca tinha visto,
uns traços, volteios qu'eu num consigo di apalpar,
vou só sintindo...
O seu olhar se distanciando, a ausência suave do sorriso,
a existência no deslimite. Afloramentos...
_ A vida, meu filho,
um mistério misterioso em demasia
qui a gente nem achega di ter conhecença.
A vezes eu penso qui a vida nem chega di ser a vida...
Eu tenho uma impressão qui a vida deve di ser um sonho,
pode ser só uma imaginação,
mas eu sinto, um sonhamento,
um parecimento do vivido...
As fotografias em suas mãos, no achado dos seus olhos,
vão se embaralhando.
Recordo Dona Anália, hoje, garimpando em águas
das outras paragens:
_Meu filho, ocê vê,
a vida nem parece de verdade,
tudo é tão passageiro,
parece nuvem canoando o céu,
um sonho que a gente sonha caminhando pela vida
sem esquecer o sonhado
e sem querer nunca de deixar de sonhar.
Mãe Gera se levanta,
da cozinha, o cheiro do café,
e da eternidade dos instantes,
meu avô afagando com seus gestos
os rastros da minha infância pelos aposentos e arredores do Engenho.
O curral manhãzinha, o leite na caneca esmaltada...
Deságuo nas águas do Água Limpa
que não serpenteia mais
as terras de Sucuriú.
Contemplando o que ainda resta das águas do Araçuaí,
num entardecer do último verão,
com luz incendiando o capim gordura,
as confissões de Dona Nilsa:
_ Antonce, o senhor sabe, eu num sei a leitura,
mas eu garanto,
tudo pra mim tem de ser bom e bunito.
É como também Deus sempre quis assim,
e num deixa de querer.
As mãos lavradoras semeando em minhas mãos:
gestos de bem querência.
_ A vida, um caminho de mesa enfeitado com as flor
das mais diversas cor,
prefumando o existir de nós tudos.
Ofertórios de Dona Generina resplandecendo bênçãos!
_ O que eu sempre digo, e que a gente num deve de nunca isquecer:
Deus e a Mãe de Deus sabe o que faz e a gente não sabe o que diz.
_ Lôro, Lôro, nu qui é qui cê tá pensando, meu filho?
Mãe Gera, servindo o café com bolo de fubá
assado em folhas de bananeira.
Bordados do afeto, delicadezas...
Dona Anninha, lá de Badaró, que a senhora conhece,
ela, uma vez, me disse mais ou menos assim:
_Eu num ando de tristeza não.
Num tenho nada de queixar de nada, de nadinha...
A vida é um acontecimento qu'eu carrego satisfeita por dimais!
Então, eu estava aqui cismando
com a alegria contagiante
de vocês mulheres,
a força delicada, a fé e a resignação,
a coragem, o comprometimento e a determinação nos afazeres
do dia a dia,
a sabedoria...
_ Deus, meu filho, num quer qui a gente vevi triste não!
Eu nasci, Lôro, pra vivê alegre,
num gosto di tristeza,
tudo o qui mi incomoda eu num carrego,
jogo tudo pra trás
e sigo cum a vida...
E num foi cê mermo qui mi contou da Dona Alvina,
pedindo procê num ficar di tristeza, qui Deus num aprova?
Pois então...
Dona Matilde, morava em Poço D'água,
uma comunidade na barra do Fanado,
presenciei ela, mais de uma vez, a voz por um fio, proferir resoluta:
_ Eu vejo, e ocês, povo meu, precisa de enxergar que a vida é uma flor
de fluorescência perfumosa, mimosa.
A gente só precisa de zelar por ela
e num deixar nunca qu'ela perca o viço!
É trabalhoso,
mas o viver
da gente,
povo meu,
é empreita de labuta diária, no constante!
É divera, Lôro! A vida, uma maromba, né? Di sol a sole!
E Dona Zefa, aquele vozeirão, cem anos:
_ A gente é que nem um pé de planta,
ocê zela por ele,
ele tem de ficar bunito.
Nóis é assim, veja procê vê,
eu tôu muito satisfeita, igualzinho um pé de planta vistoso,
de contemplação bunita!
Sim, ela está morando em Badaró, com Rita, a filha.
Com saudades da casinha na roça, lá na Zabelê,
mas feliz, bem cuidada...
_ A vida da gente, Lôro, a gente num sabe aonde qui fica,
num sabe como qui é o traço da vida da gente.
A gente tá di bem como istá,
mas o final da vida
ninguém sabe o quê qui arresulta.
A vida, mãe Gera, que são muitas, renasce a todo instante.
O vivível e o vivido. O inacabado e o que está por fazer.
O que comungamos, o que desarrumamos, não é?
Temos as coisas e uns aos outros, para aprendermos a alegria.
A senhora, muito melhor do que eu, sabe do que eu estou falando,
até porque, algumas vezes, eu sinto que são suas as minhas palavras.
_O mundo, meu filho, é sem distino,
num cabe nas palma di nossas mãos,
nos calo di nossos ombros,
no abraço
di nossos sonhos e recordações...
É coisa grande, sem midida, inormidades!
Cê veja,
nós nasce, nós vevi, nós cresce.
Tudo pirmitido.
Farturas e regalias.
Somos do tamanho di nossa vontade,
querer di muito isforço,
fazimentos...
A serventia, Lôro, dos desejos!
Caminhamos pelo quintal...
Um sabiá pousa em nossos olhos
as cores do outono entardecendo
as folhas da mangueira.
_ Minha mãe dizia, Lôro, qui os passarim
nasceram pra poesar nossas vida.
E num é qui é divera!?
Lori Figueiró