Adri Aleixo e Lori Figueiró – Das muitas formas de dizer o tempo – Editora Ramalhete – 64 Páginas – Apresentação da poeta Adriane Garcia – Gênero: Poesia e Fotografia – Lançamento: 2019.
É bonito quando dois artistas assumem uma tarefa impossível como dizer o tempo, ora o tempo não se diz nem se explica, como bem sabemos. Neste livro, a poeta Adri Aleixo e o fotógrafo Lori Figueiró aceitaram o desafio e, inspirados pelas paisagens e a sabedoria da gente simples da região do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, criaram essa homenagem à natureza, feita de versos e imagens.
Falando de sertão é impossível não lembrar da literatura mágica de João Guimarães Rosa, o “feiticeiro das palavras”, que é citado na epígrafe com um trecho do conto Os Cismos, em uma outra brilhante tentativa de descrever o tempo: “Mas, naquele raiar, ele sabia e achava: que a gente nunca podia apreciar, direito, mesmo as coisas bonitas ou boas, que aconteciam. Às vezes, porque sobrevinham depressa e inesperadamente, a gente nem estando arrumado. Ou esperadas, e então não tinham gosto de tão boas, eram só um arremedado grosseiro. […]”
No diálogo da poesia com a fotografia, o povo do sertão nos ensina como a vida não foi feita para ser veloz, seja na passagem do rio que sempre se renova ou no eterno ciclo de crescimento das plantas, uma coisa é certa, o tempo aqui é outro, mas ninguém se importa: “se chove se faz sol / o morro fala / a cerração confirma / o gado espera / o tempo é quem faz tocaia / e sorrateiro avisa / A história é a mesma, embora já seja outra”.
Das muitas formas de dizer o tempo
A vida muitas vezes era uma janela sem nenhuma poesia
não eram muitos os que se sentavam na soleira da porta
o tempo, embora parecesse muito, era privilégio de algumas plantas,
estas, sábias de sua necessidade cresciam rápido
prestativas para lhes oferecer algo
era preciso dar conta da vida, assoprar a fuligem
antes que ela se impregnasse na alma
é que às vezes as coisas boas são temporãs
e aparecem sempre roídas pelas horas
de todo modo espreitavam a lua e o canto da coruja
era o tempo quem dava lição de plantar
de nascer e de morrer
mas sabiam, no inteiro de seus seres
que o Vale é o lugar de quem vive o sol inteiro
Como é bom saber que ainda existe um mundo além dos dispositivos eletrônicos e aplicativos, afinal a gente quase esquece disso olhando para uma pequena tela todo o dia. Uma forma de viver ancestral que persiste apesar de tudo, a continuidade de um ciclo, como uma Mulher na roca: “Se o sol batesse nela / a essa hora do dia / teríamos a imagem de um jarro / as mãos em cálice amparando / o som os fios / olhando mais de perto, sentiríamos vivos / a casa, os móveis / as folhas de carvalho / onde vivem a neta, os filhos / falaríamos de coisas complicadas e outras elementares / de certo, eu acharia tudo doído / mas ela diria: é o ciclo”
Cumeeira
Para cessar o peso do dia
poderás ir ao telhado
lá, há um precipitar de chuva e pulo
uma vista para o descampado
é lá onde secam as palavras
e coragem é uma espécie de ruindade
lá, duas águas se encontram
Sobre os autores: Adri Aleixo é mineira de Conselheiro Lafaiete e vive atualmente em Belo Horizonte. Publicou “Des.caminhos” (2014) e “Pés” (2016), ambos pela editora Patuá. Em 2017, lançou a plaquete impublicáveis. Em 2018, integrou o circuito de autores Sesc/Arte da Palavra. Lori Figueiró é fotógrafo e membro fundador do Centro de Cultura Memorial do Vale. Em 2014, publicou o livro “Reflexos ao calor do Vale”; em 2016, os livros “Cotidianos no Sagrado do Vale” e “O espelho das lembranças: memórias do Vale”. No ano seguinte, lançou “Sementes da terra maturada”. Em 2018, publicou “Acender do barro”, “Salve Maria! Os tambores do Rosário” e “Afloramentos”.
Alexandre Kovack
Ermínio Coelho Oliveira, Berilo, março de 2016