Com um novo livro, cujo título é À luz do algodão, vem à tona um Lori Figueiró que se mantém fiel a seu projeto de divulgação cultural do Vale do Jequitinhonha, através do compromisso institucional do Memorial do Vale, que procura exercer, ou criar, a memória do Vale pela sua face da lembrança, como registro vivo do trabalho humano aí executado e digno de ser preservado.
Desse modo, quem se coloca À luz do algodão, como Lori, posiciona-se como locutor que registra, e recria, o produto do artesanato do trabalho da mulher, representada neste livro, pela figura criadora de Natalina Soares de Souza, sua interlocutora, da cidade de Berilo. E, aí, o que vemos é o trabalho do fotógrafo que abre, criadoramente, a luz de sua câmera para trazer à superfície do olhar do leitor as imagens, que na força de sua expressividade, revelariam, como presença luminosa, aquilo que se mostra, em parte, ausente. O leitor, se não tem a presença da peça artesanal na mira de seus olhos, com as imagens do fotógrafo chega bem perto da singularidade do artesanato produzido pelas mãos de Natalina.
Natalina Soares de Souza, Berilo, março de 2017
Por outro lado, quem se coloca, ainda, À luz do algodão, é um fotógrafo que incorpora a figura de um novo locutor, ou seja, a posição de um documentarista que registra o dizer de sua interlocutora, Natalina, quando ela se põe a dizer o que sabe, o que pensa, o que sente e o que faz como condição de produção do artesanato que vivencia, tomando o algodão como matéria prima dominante de sua obra. Nesse sentido, o que temos, então, é um Lori atento não só às imagens do produto de nossa artesã, mas, ainda, e sobretudo, atento às condições de produção do trabalho artesanal, pessoal, de Natalina.
Assim, À luz do algodão, é o registro vivo de um fotógrafo e de um documentarista, que se põem, ambos, como mediadores na enunciação com a artesã e, aí, o que se produz como resultado da força interativa de ambos, Lori e Natalina, é a expressão viva da memória que nos faz lembrar a força criadora do artesanato do Vale. E, com a memória operando, ou seja, com a lembrança, o livro de Lori que é, até certo ponto, também, de Natalina, salva do esquecimento a força humana que, pelas suas páginas, ganha uma certa eternidade, pois a morte só atinge aqueles que deverão ser esquecidos. Isso, porque a memória, enquanto lembrança, preserva a vida daqueles que ficarão imortalizados como heróis, o que, aliás, pensavam os gregos da Grécia Antiga. É, por outro lado, esse o pressuposto que orienta a instituição do Memorial do Vale: manter vivos os seres humanos que habitam o Vale do Jequitinhonha pela lembrança da expressão criadora de seu trabalho contra o peso desconstrutor do esquecimento, ou da morte que ronda o apagamento da experiência humana.
Edson Nascimento Campos, 27 de abril de 2021
Natalina Soares de Souza, Berilo, março de 2017