Só sei sentir...
    "Que se perca o olhar em tão singela imagem,
    que se ouça a visagem transfigurada em azul,
    que se transmute o sentir em paisagem espelhada,
    e que se perca entre nuvens esse eterno existir".
Isidorio
Só sei sentir. E, talvez, isso seja pouco, insuficiente para se fazer entender.
Hunf!!!
Mas não posso fugir do que acabo sendo... fingir que não mais sou. É poesia o que tenho pra dar, a poesia que senti, que vi com meus olhos ilhados em água e sal.
O meu sentir cabe no silêncio, que querem alguns, tanger para longe, para o munturo, fora das vistas...
Querem-no ausente, o silêncio!!!
Discordo.
Esse sábio velho que aprendeu a calar, falar verdades sem ruir os coisado da vida, é sabedor de tudo. Ele, o silêncio, é necessário. Acolhedor das singelezas; o silêncio ainda cabe sim, ainda cabe em mim, e isso me arrebata... comove... atrai, e me basta!
Depois, de olhar demoradameeeeeente, e sobre tudo sentir a arte de Lori Figueiró, entendo que sua fotografia está para além do registro, simplesmente, é como um verso perturbador, tirando o sossego da gente.
Lori, tem uma doçura desmedida, desregrada e é exatamente essa desmesura que o faz ímpar. Ele despe para nós outros desatentos, com delicadeza mística, a alma pulsante de gente comum, e isso é sublime... e isso me basta!
Imagens desnudadas de vaidades, doadas por Lori como memória afetiva de um coletivo. Cultuadas na solidão da criação, alumiadas pelos elementos emprestados do seu sentir inteiro... feiticeiro. Lori é fonte e ponte, é sedento e “oi d’água”, ao mesmo tempo. Seus amigos e amigas, são seu maior bem querer, e nos olham através dele. Os olhares e sentires vários, que coexistem no mesmo espaço cósmico do Vale do Jequitinhonha. Incontáveis são os sujeitos e criaturas que cruzam esse mesmo universo diverso de aragem certa, mas não captam com a mesma intensidade o que há de mais valioso e alumiado naquele solo - sua gente.
Lori não apenas se encanta, observa e guarda, não, não; ele, esse Ser de riso largo, sacraliza seu fazer... é sacramentado o seu labor! A narrativa fotográfica, imagética de Lori Figueiró é a sua própria vida, alinhavada à vida de suas amigas e amigos por ele fotografados. Lori é repositório da memória de seu povo, de um fazer, um viver, que, também, é o seu próprio. São retalhos de um viver o mesmo versejar, onde nada sossega nem cessa de movimentar... e isso deveria por um instante nos bastar!
É relicário a sua entrega. A alma de Lori encanta e sua lente registra. Mas as pessoas não a veem, o que veem na verdade são elas próprias refletidas na entrega de Lori, com toda sua inteireza. Elas se enxergam através dele e nesse movimento de troca que sente a si mesmo como parte integrante, que é mais inteira do que parte, pois não é outro, é um igual, alinhavadas inteiramente ao sentimento dele, ao fotografá-las. Elas se veem no seu olhar e gostam do que veem, sentem-se cuidadas e seguras... entram em seu eu, pisam no seu chão, falam de sentimentos e não têm medo.
Lori tem irís de pétalas, firmada em haste de intimidade sacrossanta...telúrica.
O seu fazer é consciente, é partilha que nos comove; e isso é divino e deveria nos bastar!
A luz... ah, a luz cotidiana do Vale, banha a retina de Lori que a transfigura em aguamentos e nos afoga (des) esperadamente... é um doce morrer nesse mar de imagens.
Olhar devagar... vagar o olhar nos sentimentos dos iguais; e SENTIR. Isso deveria, como por um encantamento, nos bastar.
Ana Claudia Isidorio
    Lôro, a gente só intendi o qui é a vida 
    quando a gente olha lá atrás
    e senti aquela vontade di vivê
    tudo di novo.
Geralda Martins Soares, Jenipapo de Minas, Vale do Jequitinhonha
    
        Eu num tenho vergonha 
        di quem sabe lê,
        qui fica naquela farromba toda.
        Eu segui o qui meu pai
        mais minha mãe mi insinou,
        qui é o prazer du trabalho,
        a saúde di sê alegre,
        a riqueza di tê amizade.
        Uma vida mal vivida
        é triste dimais!
    
Izabel Alves Alecrim, Campo Buriti, Turmalina, Vale do Jequitinhonha
Nos acontecimentos da alegria um azul de além do alcançar
    O sinhô num é di crê,  Seu Lori,
    eu vivo quase qui no sempre
    a ismiuçar um céu qui aproprie
    di um outro azul diferenciado.
    Um azul di além du alcançar
    di olhos já ismurecidos
    di quantidade di tanto Natal
    num torrão di barro só.
    O sinhô sabe
    o Menino Jesus abençoa os dia da véia
    aqui das Imburanas
    os cento e quase seis ano
    num é qualquer regalia
    fartura im dimasia.
    No intanto
    tanto quis cunhecê outras frequesia
    sê viajadora
    transitá im outros território.
    Agora passou, já num posso...
    Os olhos resignados de Dona Delfina
    segredava sentimentos seculares
    e vivacidades preservadas na modéstia.
    O qu'eu inxergo
    pro qu'eu mi tornei
    quand'eu olho pra minhas mão
    é o cumeçá dus meus dias.
    Há di tê valia a sonhação
    di tanto querumi?
    A vida, ilusão dismedida
    somos casquinhas di ovo
    tutameia.
    Um alvoraçar de quirirus
    descortinava um cerrado de texturas ásperas
    e florais secos 
    denunciando a ausência das chuvas.
    Os seus dedos calosos e ressequidos
    de quando em vez
    apropriavam da latinha de rapé
    a respiração apaziguando silêncios...
    Alhures,
    nas mãos aquecidas de minha mãe
    a caneca esmaltada
    evaporando
    queimadinha de ervas com cachaça
    nas dobras de um tempo
    que passou depressa
    e passa
    como tudo acontece de passar.
    O mundo é composto di um tudo.
    O sinhô saiba
    eu fico cá comigo
    matutando...
    s'eu num acordá
    nunca mais
    di depois di um sono
    num há di sê a continuação
    di um sonho?
    Um presente di Nossa Sinhora
    das tanta louvação
    di minha parte
    qu'eu já fiz
    e continuo di fazê pra ela?
    E num devemo di acreditá?
    Perdê a fé,nunca!
    Eu qui tanto sei dos merecimento...
    Enquanto percorríamos o quintal
    proprietários em definitivo
    de nossos seres a esmiuçar
    indagações e confidências
    os seus olhos refletiam
    um azul pejado de nuvens
    sustentado
    por uma saracura-três-potes
    nos galhos da sucupira
    sombreando os verdes das hortaliças.
    Confessei o meu desejo
    de um dia ser digno
    de um instante derradeiro
    enredado nas teias
    de um sono profundo
    resguardando considerações
    nas palavras de Mãe Gera:
    "a gente tá muito bem, mas o final da vida
    ninguém sabe no quê que arresulta."
    Não duvide, o sinhor,
    eu gosto di ficá aqui no quintal
    cuidando dus meu pé-di-quiabo
    das rama di maxixe
    das abróba.
    É o jeito qui tenho eu di ainda sê útil.
    É satisfação assistir flurescê
    o qui vamo semeando
    no caminhar di nosso existir.
    Devemu di tê pra um tudo
    os cuidado du querê bem
    e du milhor.
    Tudo nos prazê di incantá
    di sê di aligriazinhas.
    A gente no mundo, Seu Lori, vévi é di passeio...
    Cúmplices das incumbências
    de tarefa própria
    intensificar e inventar a beleza
    sobre todas as coisas da vida
    e a partir de nós
    para participarmos aos outros
    sorrimos como ocorre
    sempre
    nos acontecimentos da alegria.
    Só possuímo o qui cultivemo 
    cum amor
    e o qui nos é destinoso
    di nosso Pai Celestiar.
    O pouco cum Ele é muito!
    Disso, num pudemo di rudupiá
    apaziguando dúvidas.
    A luz se espalhou intensamente
    nos tons terrosos
    no aberto da paisagem
    pincelando
    de cobre ardente
    o entardecer nas Imburanas.
    Incomparável,
    um girassol derramava
    sobre nós
    as suas cores perenes
    incandescentes.
    As mãos entrelaçadas
    envoltas pela aura cálida
    dos acolhimentos
    me despedi
    com promessas de retornar.
    Na florada dos pequizeiros
    as abêias zunindo
    nos fazimento
    di aducicado mel.
    Surtimento di aligriagenzinhas...
Lori Figueiró